Pela Ponteio, chegou às livrarias em 2014 este “Mar Negro”, novo romance de Dau Bastos, que nos apresenta em 276 páginas sua heroína: uma jovem alagoana que não tem nada de esbelta, pelo contrário, sua Anderline sofre de um mal terrível, é feia de dar dó, feia de se dar mal na vida. Esta é apenas a ponta do enredo que Dau Bastos desenvolve ao longo de seu romance. Inconformada com o destino de baranga, a protagonista e narradora Anderline abandona Maceió e parte em uma jornada através da Europa Oriental, rumo ao Mar Negro do título, onde por obra do autor espera desaparecer. Sua consciência da própria feiura a persegue por toda parte, está na gênese de seu irônico discurso e mesmo da decisão de partir, já que se apaixonou perdidamente pelo belíssimo chefe, jovem playboy milionário que vive a lograr, com ajuda da desprezada Anderline, novas conquistas amorosas.
A feiura de Anderline – e sua extrema consciência, ela sabe inclusive que é personagem – projeta a crítica que povoa este romance e que o torna uma leitura surpreendente. Por ser feia, Anderline não tem direito à felicidade? Ela vai buscá-la em pleno inverno europeu, foge das capas de revistas, dos rostos de ojeriza de falsas amizades alagoanas, foge da sociedade que a criou para que louvasse a beleza e desgostasse de si mesma. Ela não é inocente, não nos engana, como defesa precisou desenvolver a mente, o que lhe serviu para que não transformasse em pedra o coração. Contudo, o saber que é intelectualmente superior à média não funciona bem como lar da satisfação, não basta para aplacar sua libido sempre alerta, que precisa de amantes, que requer afeto e carinhos. Dessa desdita, se faz o caminho deste “Mar Negro”.
Para apaziguar-se e entreter o leitor, Anderline narra suas aventuras, escreve emails para a melhor amiga, através das redes sociais denuncia para os cornos de Maceió o ex-chefe, mergulha cada vez mais fundo no leste da Europa, Berlim, Varsóvia, Budapeste, Bucareste, servem de gelados cenários que ela tenta percorrer em busca de salvação para a sua claudicante autoestima.
É a saga de uma imperfeita heroína, que adiciona ao seu discurso cheio de gostosas ironias comentários que zombam do próprio destino e das estratégias do autor. Anderline às vezes desconfia que é personagem, às vezes tem certeza, intui que sua existência é conduzida pelas mãos do escritor, que a traça sobre o mapa mundi em périplo de sentido certeiro. Através das aventuras de sua protagonista, podemos refletir a respeito da onipresença do que é hoje padronizado e servido como meta de vida e entretenimento. A feiura e os feitos de Anderline atestam que para viver não é preciso ostentar a beleza de uma deusa da mídia, talvez não seja necessário escapar para as terras do inverno europeu, será que não havia para ela destino mais próximo de nós?
Fosse perto, mostra Dau Bastos, não haveria Anderline, ela é uma deusa das longas distâncias, persegue-se e também persegue o outro, aquele que ostenta (este sim aquele que deseja de verdade) a vocação para uma improvável felicidade.